A Espantosa Realidade das Cousas
Poesia de Fernando Pessoa (7-11-1915)
A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.
Basta existir para se ser completo.
Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais, naturalmente.
Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.
Às vêzes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.
Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.
Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estôrvo,
Nem idéia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos,
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.
Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer coisa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.
Análise:
Este poema de Fernando Pessoa, intitulado "A Espantosa Realidade das Cousas," revela uma profunda apreciação pela simplicidade e a singularidade de cada objeto e fenômeno na vida cotidiana. O poema enfatiza a beleza e a riqueza intrínseca da existência, mesmo nas coisas mais simples e banais.
O poema começa com a ideia de que a "espantosa realidade das cousas" é uma descoberta diária do eu lírico. A cada dia, ele percebe a maravilha de cada coisa ser exatamente o que é. Ele expressa a alegria que isso lhe traz e como isso é suficiente para ele. Ele encontra uma profunda satisfação na simples existência das coisas como elas são.
O eu lírico também se relaciona com sua própria poesia, afirmando que cada poema seu reflete essa mesma ideia. Cada poema é único porque cada coisa que existe é uma maneira diferente de expressar essa "espantosa realidade." Portanto, sua poesia é diversa e reflete a multiplicidade das coisas no mundo.
O poema também destaca o fascínio do eu lírico por objetos comuns, como uma pedra. Ele não atribui sentimentos à pedra, mas a aprecia por ser uma pedra, por sua simplicidade e falta de conexão emocional. O eu lírico encontra valor na existência da pedra por si só.
O vento também é mencionado como algo que o fascina profundamente. Apenas o ato de ouvir o vento passar é suficiente para justificar a vida. Isso mostra a capacidade do eu lírico de encontrar beleza nas experiências mais simples e naturais.
No final, o poema aborda a ideia de que o valor de sua poesia não reside nele, mas sim nas palavras e versos em si. Ele se vê como alguém que simplesmente vê e expressa o que vê, e o valor está intrinsecamente presente na realidade que ele descreve.
Em suma, "A Espantosa Realidade das Cousas" é um poema que celebra a simplicidade e a autenticidade da vida cotidiana, destacando a beleza intrínseca de cada coisa e a capacidade de encontrar significado na existência sem a necessidade de atribuir emoções ou propósitos. É uma reflexão poética sobre a simplicidade e a riqueza da realidade que nos rodeia.