Vandalismo
Augusto dos Anjos, poesia
Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.
Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.
Com os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos.
E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!
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Este poema apresenta uma rica e simbólica narrativa sobre as emoções humanas, particularmente a experiência de desilusão e autossabotagem. O eu lírico começa descrevendo seu coração como um lugar majestoso e espiritual, repleto de "catedrais imensas" e "templos de priscas e longínquas datas", onde o amor é venerado como uma divindade que entoa "a aleluia virginal das crenças".
A linguagem poética é exuberante, repleta de imagens vívidas, como "lustrais irradiações intensas", "cintilações de lâmpadas suspensas" e pedras preciosas como "ametistas" e "florões" que adornam esses espaços emocionais. A menção aos "velhos Templários medievais" evoca uma atmosfera histórica e mística, acrescentando profundidade à composição.
No entanto, o clímax do poema é surpreendente. O eu lírico revela que, em um momento de desespero, ele se tornou como os "iconoclastas", aqueles que destruíram imagens religiosas, e "quebrou a imagem dos meus próprios sonhos". Esta reviravolta desconcertante sugere que a desilusão ou a autossabotagem podem ocorrer mesmo nos lugares mais preciosos e espiritualmente carregados de nosso ser.
O poema, portanto, oferece uma reflexão profunda sobre a natureza complexa das emoções humanas e como, por vezes, somos nossos próprios maiores inimigos. A imagem das catedrais interiores e a quebra das imagens dos sonhos são metáforas poderosas para a fragilidade e a contradição da experiência humana, tornando-o uma peça poética rica em significado e emoção.