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sábado, dezembro 16, 2023

Poema Sentimental de Carlos Drummond de Andrade - poesia comentada

Sentimentos Profundos: A Alma Revelada em "Sentimental" de Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade, o mago das palavras, esculpiu a paisagem literária brasileira com sua maestria poética. Em sua coletânea "Sentimento do Mundo", encontramos uma pérola que ressoa com os ecos da alma humana: "Sentimental". Este poema, como uma sinfonia de emoções, transcende as palavras, mergulhando profundamente nas complexidades do coração e da existência.

Sentimental:

Como é difícil ser tão sentimental na terra da bruma e da vermelhidão, onde o fácil é tudo e o difícil é nada. Mas nada acontece por minha vontade. As coisas, doces ou ferozes, acontecem independentemente de minha vontade.

Desconsola-me saber que os lírios e as rosas não nascem da minha vontade. Desconsola-me saber que os homens não nascem da minha vontade. Desconsola-me ver que, quando as estrelas trilham o caminho da luz ou da treva, obedecem a critérios alheios à minha vontade. A natureza, que é pura obediência, obedece a algo que não é minha vontade.

O homem, que é pura desobediência, desobedece ao que não é a minha vontade. E, entretanto, por um decreto inflexível do meu cérebro, eu sou apenas e completamente a minha vontade.

Comentário:

"Sentimental" de Carlos Drummond de Andrade é uma exploração profunda da dualidade entre a vontade humana e as forças incontroláveis que permeiam a existência. Este poema, que emerge da coletânea "Sentimento do Mundo", não apenas revela as lutas internas do poeta, mas também ressoa com a experiência universal da condição humana.

A escolha do título, "Sentimental", evoca imediatamente uma carga emocional, sugerindo que os versos que seguirão serão uma jornada pelos recantos mais íntimos da sensibilidade humana. O poema começa com uma reflexão melancólica sobre a dificuldade de ser "tão sentimental" em um mundo onde a frieza muitas vezes prevalece. Essa introdução estabelece o tom para uma exploração da luta entre a natureza emotiva do ser humano e a realidade muitas vezes impiedosa ao seu redor.

A repetição da frase "não nascem da minha vontade" ressalta a impotência do eu diante da vastidão da natureza e da existência. O poeta, ao expressar seu desconsolo, revela a frustração de não poder moldar o mundo à sua vontade, seja na criação da beleza natural como lírios e rosas, na formação do caráter humano ou no curso das estrelas no cosmos. Essa resignação perante a natureza e a realidade destaca a humildade diante das forças maiores que estão além do controle individual.

A dualidade entre a natureza, que obedece a leis próprias, e o homem, que muitas vezes desobedece, é um tema central. Drummond aborda a aparente contradição entre a harmonia da natureza e a rebeldia inerente à humanidade. A ironia reside no fato de que, embora a natureza siga suas leis independentemente da vontade humana, o homem, paradoxalmente, está preso à sua própria vontade, uma vontade que muitas vezes é moldada por fatores externos e influências que escapam ao seu controle consciente.

A última estrofe, com seu toque de ironia e autoconsciência, revela a complexidade do ser humano. Mesmo diante da aparente impotência, o eu é "apenas e completamente a minha vontade". Essa afirmação paradoxal sugere uma resignação resignada à natureza contraditória do eu, ao mesmo tempo limitado pela condição humana e definido pela vontade individual.

"Sentimental" é uma jornada emocional, uma reflexão poética sobre a luta entre a vontade humana e as forças incontroláveis da vida. Drummond nos lembra da dualidade inerente à existência, convidando-nos a explorar os cantos mais íntimos de nossa própria humanidade e a encontrar significado na aceitação das limitações que moldam nossa jornada. Este poema não é apenas uma expressão do eu poético, mas uma ponte para a compreensão mais profunda da condição humana.