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segunda-feira, janeiro 19, 2009

Jesus, A LENDA DA FERRADURA e Goethe

JOHANN Wolfgang Goethe (1749-1832) nasceu em Francfort-no-Meno e estudou ciências jurídicas em Leipzig e Strasburgo. No ano de 1785, o Duque Carlos Augusto convidou-o a estabelecer-se em Weimar.

Goethe atendeu ao apelo do amigo, tornou-se seu conselheiro particular e, em seguida, ministro de Estado. Na poesia, atingiu o equilíbrio clássico, e como homem, uma serenidade olímpica, qualidade que o tornaram mestre da arte e da vida.

Na idade madura,esse espírito insaciável de sabedoria interessou-se pelas ciências naturais , realizando algumas descobertas importantes sobre anatomia comparada e fisiologia vegetal,e crítica às teorias de Newton sobre a Luz.

A poesia "Lenda da Ferradura",abaixo, é uma das mais belas jóias do tesouro poético goethiano.

 

A LENDA DA FERRADURA

Quando ainda obscuro e desconhecido 

Nosso senhor andava na terra                

e muitos discípulos o seguiam               

que raras vezes o compreendiam,   

amava doutrinar às massas                

nas ruas amplas e nas praças,          

pois à face dos céus a gente              

fala melhor e mais livremente.               

 

Ali dos seus divinos lábios              

fluíam os ensinamentos mais sábios; 

pela parábola e pelo exemplo         

faziam de cada mercado um templo.

Certa vez que, em paz e santidade,   

com os seus chegava a uma cidade,    

viu qualquer coisa luzir na estrada ;     

era uma ferradura quebrada.            

Disse a S. Pedro com brandura :   

"Pedro, apanha essa ferradura!"      

Porém S. Pedro no momento            

tinha ocupado o pensamento ;      

absorto em êxtase profundo,                   

sonhava-se o dominador do mundo,     

rei, papa, ou tal que se pareça.       

Aquilo enchia-lhe a cabeça !                  

E havia de dobrar a espinha                

por uma coisa tão mesquinha !            

Se fosse um cetro, uma coroa,          

mas uma ferradura à-toa! ...                   

E foi seguindo distraído,                  

como se não tivesse ouvido.

Curvou-se Cristo com doçura        

celeste, angélica, humilde ;           

ergueu do chão a ferradura.                   

E quando entraram na cidade

vendeu-a na casa de um ferreiro.

Comprou cerejas com o dinheiro,

guardando-as à sua maneira                

na manga, à falta de algibeira.

Dali saíram por outra porta.               

Fora a campanha estava morta ;        

nem flor nem sombra; ao longe,

ao perto era o silêncio , era o deserto,              

era a desolação; ardia,                 

torrava, o sol do meio-dia.                  

Que não valia em tal secura                

uma simples gole de água pura !

Nosso Senhor caminha à frente.      

Deixa cair discretamente,      

furtivamente, uma cereja                    

que Pedro apanha, salvo seja,           

com cabriolas de maluco.                     

A frutinha era mesmo o suco.  

Outra cereja no caminho                   

atira o Mestre de mansinho,               

que Pedro apanha vorazmente.              

E assim por diante,não uma vez somente

fê-lo o Senhor dobrar a espinha          

mas tantas vezes quantas cerejas tinha.  

Durou a cena um bom pedaço.           

Por fim,disse o Senhor com ar   prazenteiro:                                    

Pedro, se fosses mais ligeiro              

não tinhas tido este cansaço.         

Quem cedo e a tempo ao pouco não se  obriga,  

tarde por muito menos se afadiga.