JOHANN Wolfgang Goethe (1749-1832) nasceu em Francfort-no-Meno e estudou ciências jurídicas em Leipzig e Strasburgo. No ano de 1785, o Duque Carlos Augusto convidou-o a estabelecer-se em Weimar.
Goethe atendeu ao apelo do amigo, tornou-se seu conselheiro particular e, em seguida, ministro de Estado. Na poesia, atingiu o equilíbrio clássico, e como homem, uma serenidade olímpica, qualidade que o tornaram mestre da arte e da vida.
Na idade madura,esse espírito insaciável de sabedoria interessou-se pelas ciências naturais , realizando algumas descobertas importantes sobre anatomia comparada e fisiologia vegetal,e crítica às teorias de Newton sobre a Luz.
A poesia "Lenda da Ferradura",abaixo, é uma das mais belas jóias do tesouro poético goethiano.
A LENDA DA FERRADURA
Quando ainda obscuro e desconhecido
Nosso senhor andava na terra
e muitos discípulos o seguiam
que raras vezes o compreendiam,
amava doutrinar às massas
nas ruas amplas e nas praças,
pois à face dos céus a gente
fala melhor e mais livremente.
Ali dos seus divinos lábios
fluíam os ensinamentos mais sábios;
pela parábola e pelo exemplo
faziam de cada mercado um templo.
Certa vez que, em paz e santidade,
com os seus chegava a uma cidade,
viu qualquer coisa luzir na estrada ;
era uma ferradura quebrada.
Disse a S. Pedro com brandura :
"Pedro, apanha essa ferradura!"
Porém S. Pedro no momento
tinha ocupado o pensamento ;
absorto em êxtase profundo,
sonhava-se o dominador do mundo,
rei, papa, ou tal que se pareça.
Aquilo enchia-lhe a cabeça !
E havia de dobrar a espinha
por uma coisa tão mesquinha !
Se fosse um cetro, uma coroa,
mas uma ferradura à-toa! ...
E foi seguindo distraído,
como se não tivesse ouvido.
Curvou-se Cristo com doçura
celeste, angélica, humilde ;
ergueu do chão a ferradura.
E quando entraram na cidade
vendeu-a na casa de um ferreiro.
Comprou cerejas com o dinheiro,
guardando-as à sua maneira
na manga, à falta de algibeira.
Dali saíram por outra porta.
Fora a campanha estava morta ;
nem flor nem sombra; ao longe,
ao perto era o silêncio , era o deserto,
era a desolação; ardia,
torrava, o sol do meio-dia.
Que não valia em tal secura
uma simples gole de água pura !
Nosso Senhor caminha à frente.
Deixa cair discretamente,
furtivamente, uma cereja
que Pedro apanha, salvo seja,
com cabriolas de maluco.
A frutinha era mesmo o suco.
Outra cereja no caminho
atira o Mestre de mansinho,
que Pedro apanha vorazmente.
E assim por diante,não uma vez somente
fê-lo o Senhor dobrar a espinha
mas tantas vezes quantas cerejas tinha.
Durou a cena um bom pedaço.
Por fim,disse o Senhor com ar prazenteiro:
Pedro, se fosses mais ligeiro
não tinhas tido este cansaço.
Quem cedo e a tempo ao pouco não se obriga,
tarde por muito menos se afadiga.