Carlos Drummond de Andrade, o arquiteto da palavra, moldou a paisagem literária brasileira com sua habilidade singular de capturar a essência humana em poesia. Em sua obra "A Rosa do Povo", encontramos um poema que se destaca como um microcosmo de sua genialidade: "Quadrilha". Neste intricado arranjo de palavras, Drummond tece uma dança poética que transcende as linhas da página, abordando temas sociais e políticos com uma maestria que ecoa através das décadas.
Quadrilha:
João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém.
João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história.
Comentário:
"Quadrilha" de Drummond é uma obra-prima que se desdobra como uma dança social, onde os personagens, como peças de um quebra-cabeça humano, se entrelaçam em amores não correspondidos, destinos inesperados e tragédias inescapáveis. A escolha do título não é acidental; Drummond nos convida a participar de uma quadrilha da vida, onde os passos são imprevisíveis, e o destino de cada dançarino está entrelaçado com o próximo.
O poema abre com uma cadeia de amores, uma teia intricada de sentimentos que se entrelaçam como os pares em uma quadrilha tradicional. João ama Teresa, Teresa ama Raimundo, e assim por diante. Esse jogo de emoções cria uma atmosfera de romance, mas logo percebemos que essa trama intricada é mais complexa do que uma simples história de amor. Drummond nos apresenta a multiplicidade de desejos e aspirações que permeiam a vida humana.
A reviravolta no destino de cada personagem é marcante. João parte para os Estados Unidos, Teresa encontra refúgio no convento, Raimundo enfrenta um destino trágico, Maria assume o papel de tia solitária, Joaquim escolhe a saída fatal do suicídio, e Lili acaba casando com alguém que, aparentemente, não tem papel na história registrada. Essa série de eventos revela a imprevisibilidade da vida, onde as escolhas individuais e as circunstâncias externas moldam os destinos de maneiras inesperadas.
A escolha de situar a história em um contexto social e político é característica da maestria de Drummond. Ao abordar as relações interpessoais, ele lança uma luz crítica sobre a sociedade em que vivemos. As escolhas dos personagens refletem não apenas as complexidades do coração humano, mas também as pressões externas, as expectativas sociais e os desafios políticos que moldam suas vidas.
"Quadrilha" é, assim, uma ode à imprevisibilidade da existência. Ao dançarmos na quadrilha da vida, somos confrontados com escolhas difíceis, amores não correspondidos e destinos imprevisíveis. Drummond, com sua perspicácia única, nos convida a refletir sobre a natureza efêmera e surpreendente da existência humana, transformando uma simples dança de palavras em uma experiência profunda e inesquecível.