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sexta-feira, julho 13, 2012

Augusto dos Anjos Poemas - VANDALISMO


Vandalismo
Augusto dos Anjos, poesia

Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.

Com os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos.

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!


Comentários

Este poema apresenta uma rica e simbólica narrativa sobre as emoções humanas, particularmente a experiência de desilusão e autossabotagem. O eu lírico começa descrevendo seu coração como um lugar majestoso e espiritual, repleto de "catedrais imensas" e "templos de priscas e longínquas datas", onde o amor é venerado como uma divindade que entoa "a aleluia virginal das crenças".

A linguagem poética é exuberante, repleta de imagens vívidas, como "lustrais irradiações intensas", "cintilações de lâmpadas suspensas" e pedras preciosas como "ametistas" e "florões" que adornam esses espaços emocionais. A menção aos "velhos Templários medievais" evoca uma atmosfera histórica e mística, acrescentando profundidade à composição.

No entanto, o clímax do poema é surpreendente. O eu lírico revela que, em um momento de desespero, ele se tornou como os "iconoclastas", aqueles que destruíram imagens religiosas, e "quebrou a imagem dos meus próprios sonhos". Esta reviravolta desconcertante sugere que a desilusão ou a autossabotagem podem ocorrer mesmo nos lugares mais preciosos e espiritualmente carregados de nosso ser.

O poema, portanto, oferece uma reflexão profunda sobre a natureza complexa das emoções humanas e como, por vezes, somos nossos próprios maiores inimigos. A imagem das catedrais interiores e a quebra das imagens dos sonhos são metáforas poderosas para a fragilidade e a contradição da experiência humana, tornando-o uma peça poética rica em significado e emoção.

Augusto dos Anjos Poemas - VOLUPIA IMORTAL



Cuidas que o genesíaco prazer,
Fome do átomo e eurítmico transporte
De todas as moléculas, aborte
Na hora em que a nossa carne apodrecer?!

Não! Essa luz radial, em que arde o Ser,
Para a perpetuação da Espécie forte,
Tragicamente, ainda depois da morte,
Dentro dos ossos, continua a arder!

Surdos destarte a apóstrofes e brados,
Os nossos esqueletos descarnados,
Em convulsivas contorções sensuais,

Haurindo o gás sulfídrico das covas,
Com essa volúpia das ossadas novas
Hão de ainda se apertar cada vez mais!


Augusto dos Anjos Poemas - TERRA FUNEBRE



TERRA FÚNEBRE
Aqui morreram tantos poetas! Tanta
Guitarra morta este lugar encerra!...
Aqui é o Campo-Santo, aqui é a Terra!
Em que a alma chora e em que a Saudade canta!

O caminheiro que o Pesar desterra,
Pare chorando nesta Terra Santa,
E se cantar como a Saudade canta,
O caminheiro fique nesta Terra!

À noute aqui um trovador eterno
Chora, abraçado às campas dos poetas,
- Esse sombrio trovador é o Inverno!

Aqui é a Terra, onde, ao noturno açoute,
Carpem na sombra pássaros ascetas,
Gemem poetas - pássaros da Noute!


Augusto dos Anjos Poemas -VERSOS INTIMOS



VERSOS ÍNTIMOS
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!


Augusto dos Anjos Poemas -TRISTEZAS DE UM QUARTO MINGUANTE



Quarto Minguante! E, embora a lua o aclare,
Este Engenho Pau d'Arco é muito triste...
Nos engenhos da várzea não existe
Talvez um outro que se lhe equipare!

Do observatório em que eu estou situado
A lua magra, quando a noite cresce,
Vista, através do vidro azul, parece
Um paralelepípedo quebrado!

O sono esmaga o encéfalo do povo.
Tenho 300 quilos no epigastro...
Dói-me a cabeça. Agora a cara do astro
Lembra a metade de uma casca de ovo.

Diabo! Não ser mais tempo de milagre!
Para que esta opressão desapareça
Vou amarrar um pano na cabeça1
Molhar a minha fronte com vinagre.

Aumentam-se-me então os grandes medos.
O hemisfério lunar se ergue e se abaixa
Num desenvolvimento de borracha,
Variando à ação mecânica dos dedos!

Vai-me crescendo a aberração do sonho.
Morde-me os nervos o desejo doudo
De dissolver-me, de enterrar-me todo
Naquele semicírculo medonho!

Mas tudo isto é ilusão de minha parte!
Quem sabe se não é porque não saio
Desde que, 6.ª-feira, 3 de maio,
Eu escrevi os meus Gemidos de Arte?!

A lâmpada a estirar línguas vermelhas
Lambe o ar. No bruto horror que me arrebata,
Como um degenerado psicopata
Eis-me a contar o número das telhas!

- Uma, duas, três, quatro... E aos tombos, tonta
Sinto a cabeça e a conta perco; e, em suma,
A conta recomeço, em ânsias: - Uma...
Mas novamente eis-me a perder a conta!

Sucede a uma tontura outra tontura.
- Estarei morto?! E a esta pergunta estranha
Responde a Vida - aquela grande aranha
Que anda tecendo a minha desventura! -

A luz do quarto diminuindo o brilho
Segue todas as fases de um eclipse...
Começo a ver coisas de Apocalipse
No triângulo escaleno do ladrilho!

Deito-me enfim. Ponho o chapéu num gancho.
Cinco lençóis balançam numa corda,
Mas aquilo mortalhas me recorda,
E o amontoamento dos lençóis desmancho.

Vêm-me á imaginação sonhos dementes.
Acho-me, por exemplo, numa festa...
Tomba uma torre sobre a minha testa,
Caem-me de uma só vez todos os dentes!

Então dois ossos roídos me assombraram...
- "Por ventura haverá quem queira roer-nos?!
Os vermes já não querem mais comer-nos
E os formigueiros lá nos desprezaram".

Figuras espectrais de bocas tronchas
Tornam-me o pesadelo duradouro...
Choro e quero beber a água do choro
Com as mãos dispostas á feição de conchas.

Tal urna planta aquática submersa,
Antegozando as últimas delicias
Mergulho as mãos - vis raízes adventícias -
No algodão quente de um tapete persa.

Por muito tempo rolo no tapete,
Súbito me ergo. A lua é morta. Um frio
Cai sobre o meu estômago vazio
Como se fosse um copo de sorvete!

A alta frialdade me insensibiliza;
O suor me ensopa. Meu tormento é infindo...
Minha família ainda está dormindo
E eu não posso pedir outra camisa!

Abro a janela. Elevam-se fumaças
Do engenho enorme. A luz fulge abundante
E em vez do sepulcral Quarto Minguante
Vi que era o sol batendo nas vidraças.

Pelos respiratórios tênues tubos
Dos poros vegetais, no ato da entrega
Do mato verde, a terra resfolega
Estrumada, feliz, cheia de adubos.

Côncavo, o céu, radiante e estriado, observa
A universal criação. Broncos e feios,
Vários reptis cortam os campos, cheios
Dos tenros tinhorões e da úmida erva.

Babujada por baixos beiços brutos,
No húmus feraz, hierática, se ostenta
A monarquia da árvore opulenta
Que dá aos homens o óbolo dos frutos.

De mim diverso, rígido e de rastos
Com a solidez do tegumento sujo
Sulca, em diâmetro, o solo um caramujo
Naturalmente pelos mata-pastos.

Entretanto, passei o dia inquieto,
A ouvir, nestes bucólicos retiros
Toda a salva fatal de 21 tiros
Que festejou os funerais de Hamleto!

Ah! Minha ruína é pior do que a de Tebas!
Quisera ser, numa última cobiça,
A fatia esponjosa de carniça
Que os corvos comem sobre as jurubebas!

Porque, longe do pão com que me nutres
Nesta hora, oh! Vida em que a sofrer me exortas
Eu estaria como as bestas mortas
Pendurado no bico dos abutres!

Augusto dos Anjos Poemas - VERSOS A UM CAO



VERSOS A UM CÃO
Que força pôde adstrita e embriões informes,
Tua garganta estúpida arrancar
Do segredo da célula ovular
Para latir nas solidões enormes?!

Esta obnóxia inconsciência, em que tu dormes,
Suficientíssima é, para provar
A incógnita alma, avoenga e elementar
Dos teus antepassados vermiformes.

Cão! - Alma de inferior rapsodo errante!
Resigna-a, ampara-a, arrima-a, afaga-a, acode-a
A escala dos latidos ancestrais...

E irás assim, pelos séculos, adiante,
Latindo a esquisitíssima prosódia
Da angustia hereditária dos teus pais!

Augusto dos Anjos Poemas - TREVAS



Trevas - Augusto dos Anjos


Haverá, por hipótese, nas geenas
Luz bastante fulmínea que transforme
Dentro da noite cavernosa e enorme
Minhas trevas anímicas serenas?!

Raio horrendo haverá que as rasgue apenas?!
Não! Porque, na abismal substância informe,
Para convulsionar a alma que dorme
Todas as tempestades são pequenas!

Há de a Terra vibrar na ardência infinda
Do éter em branca luz transubstanciado,
Rotos os nimbos maus que a obstruem a esmo...

A própria Esfinge há de falar-vos ainda
E eu, somente eu, hei de ficar trancado
Na noite aterradora de mim mesmo!


Comentário:

"Trevas," de Augusto dos Anjos, é um poema que mergulha nas profundezas da existência humana, explorando temas de angústia, desesperança e autoconhecimento. Anjos é conhecido por seu estilo sombrio e introspectivo, e este poema exemplifica bem suas características literárias.

O poema começa com uma pergunta retórica, considerando a possibilidade de uma luz poderosa que poderia transformar suas "trevas anímicas serenas." Esta imagem evoca a ideia de um conflito interno, onde a escuridão da alma é calma e constante, porém, há um anseio por alguma forma de redenção ou mudança.

No decorrer do poema, Anjos descreve a insignificância de tempestades externas em comparação com a vastidão da escuridão interna. Ele sugere que nada do mundo exterior, por mais poderoso que seja, pode realmente perturbar a alma que está em um estado de inquietude. Esta concepção reflete a profundidade do sofrimento interior, que não pode ser simplesmente dissipado por forças externas.

Na conclusão, ele se vê como prisioneiro de sua própria escuridão, mesmo quando a Terra e o éter se transformam. A referência à Esfinge, uma figura mítica conhecida por seus enigmas, intensifica o sentimento de mistério e perplexidade que envolve sua existência. Ele sugere que respostas universais podem ser alcançadas, mas ele, sozinho, permanecerá preso em sua própria noite aterradora.

"Trevas" é, assim, um poema que revela a complexidade do sofrimento humano e o desafio de encontrar luz dentro da própria escuridão. É uma obra que ressoa com qualquer um que já tenha enfrentado seus próprios demônios internos e buscado, mesmo que em vão, uma saída da escuridão pessoal.

Qual aspecto desse poema mais te chamou a atenção?




Augusto dos Anjos Poemas - VERSOS A UM COVEIRO



Numerar sepulturas e carneiros,
Reduzir carnes podres a algarismos,
Tal é, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros!

Um, dois, três, quatro, cinco... Esoterismos
Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,
Na progressão dos números inteiros
A gênese de todos os abismos!

Oh! Pitágoras da última aritmética,
Continua a contar na paz ascética
Dos tábidos carneiros sepulcrais:

Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,
Porque, infinita como os próprios números,
A tua conta não acaba mais!


Augusto dos Anjos Poemas - A ARVORE DA SERRA



- As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!

- Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pôs almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minha'alma!...

- Disse - e ajoelhou-se, numa rogativa:
"Não mate a árvore, pai, para que eu viva!"
E quando a árvore, olhando a pátria serra,

Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!


Augusto dos Anjos Poemas - A AERONAVE



Cindindo a vastidão do Azul profundo,
Sulcando o espaço, devassando a terra,
A Aeronave que um mistério encerra
Vai pelo espaço acompanhando o mundo.

E na esteira sem fim da azúlea esfera
Ei-la embalada n'amplidão dos ares,
Fitando o abismo sepulcral dos mares
Vencendo o azul que ante si s'erguera.

Voa, se eleva em busca do Infinito,
É como um despertar de estranho mito,
Auroreando a humana consciência.

Cheia da luz do cintilar de um astro,
Deixa ver na fulgência do seu rastro
A trajetória augusta da Ciência.