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sexta-feira, janeiro 13, 2012

Poesia - Fernando Pessoa -Quem ama nunca sabe o que ama



O Guardador De Rebanhos  
Alberto Caieiro (pseudônimo do poeta português Fernando Pessoa)
II (8-3-1914)
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como um malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nêle
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fêz para pensarmos nêle
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para êle e estarmos de acôrdo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

Comentário:

Este poema, parte da série "O Guardador de Rebanhos" escrita por Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, explora a simplicidade, a atenção à natureza e a rejeição do pensamento abstrato.

O poema começa com uma imagem poderosa: o olhar do eu lírico é comparado a um girassol, sugerindo uma atenção aguda e uma capacidade de seguir a luz e a vida com clareza. O eu lírico descreve seu hábito de caminhar pelas estradas, olhando para todos os lados, e frequentemente olhando para trás. Essa abordagem contemplativa da vida permite ao poeta perceber constantemente algo novo e surpreendente no mundo ao seu redor.

Ele menciona o "pasmo essencial," comparando-o ao espanto de uma criança ao nascer e perceber a existência pela primeira vez. Isso ressalta sua conexão íntima com a natureza e a capacidade de apreciar cada momento como uma experiência única e especial.

O poeta rejeita a filosofia e o pensamento abstrato, afirmando que o mundo não foi feito para ser analisado ou interpretado dessa maneira. Em vez disso, ele acredita que o propósito do mundo é ser observado e experimentado diretamente. Ele enfatiza que não possui uma filosofia, mas sim sentidos aguçados que o permitem apreciar a natureza de maneira profunda e imediata.

O poema culmina com uma reflexão sobre o ato de amar. Para o eu lírico, amar é uma experiência de eterna inocência, algo que não pode ser definido ou explicado pelo pensamento racional. O amor é sentido e vivido, não analisado.

Em resumo, este poema de Alberto Caeiro celebra a simplicidade da vida, a conexão com a natureza e a rejeição do pensamento abstrato em favor da experiência direta e do amor pela existência tal como ela é. É uma ode à observação atenta e à capacidade de encontrar maravilha no mundo que nos cerca.